FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério
DESVAIRADAS GENTES (9º. E último episódio)
Quando a Felismina viu o marido, de cabelo desalinhado, a assomar à fresta da porta da casa daquela perdida, o sangue subiu-lhe todinho à cabeça, trepou o lance de escadas a dois e dois, entrou em casa, foi direita à gaveta grande do armário, pegou na faca grande de desossar e gritou, gritou, desalmadamente, enquanto esfaqueava, repetidas vezes, a porta fechada à pressa, por trás da qual tremiam, como varas enquanto verdes, um barbeiro baixinho e bem cheiroso e uma ruiva cansada de passeatas em jardins de Domingo.
Junto ao Tem-Tudo, os comentários multiplicavam-se. O Senhor Amaral, com a mão em concha no ouvido maroto, perguntou:
– O que é que ela diz? Tira-lhe o quê?
– As tripas, homem, as tripas – explicou o Senhor António, sem abandonar a soleira.
O Feliciano largou do talho, esbaforido, com um cutelo na mão. A D. Rosa, rente ao passeio, avistou-lhe o aventalão manchado de sangue e chiou:
– Ai Jesus! Acudam!
A D. Amália puxou do seu sentido prático e avisou:
– Vou chamar a polícia. Antes que haja uma desgraça.
O Zeca limitou-se a torcer a orelha e a dizer:
– Já agora espero que venha a bófia. A minha mãe deve ter mais fósforos lá em casa.
FIM